(Foto: Izabela Silva/Arquivo pessoal)
Quem é a cineasta lagopratense que teve um filme selecionado para um festival de arte?
Bárbara Félix
Assim como nos filmes, na vida real também sempre há o momento em que algumas questões precisam ser respondidas, seja sobre alguma curiosidade ou a respeito da vida de alguém, e para muitos em Lagoa da Prata, a pergunta da vez é: quem é a cineasta lagopratense, que neste ano apareceu no Sou+Lagoa em duas reportagens para falar de seus projetos que tiveram destaque nacional e internacional.
A partir das aparições no Sou+, muitas pessoas ficaram curiosas para saber quem é a cineasta e deste modo, a redação entrevistou Izabela Silva. A poeta e cineasta lagopratense é filha da dona Zélia e do seu Marcelino, e atualmente mora em São Paulo.
Em conversa com Sou+, Iz contou que para ela, fazer cinema nunca foi um destino, mas uma escolha. “Quando você nasce em uma família humilde e em uma cidade que não existe museu, incentivo a cultura, nem cinema, ter contato com arte é um privilégio de poucos”, disse a cineasta, que contou que quando foi morar na capital mineira, Belo Horizonte há sete anos, seu objetivo era estudar medicina e dar uma condição de vida melhor para a família, mas o que ela não esperava, era que o choque cultural fosse tão grande.
“Aos 18 anos eu ia pela primeira vez no museu e via um quadro do Portinari que me fazia tremer os joelhos. Aos 18 anos eu ia pela primeira vez ao cinema e assisti Elena de Petra Costa e saia da sala com os olhos cheios d’água, decidida a fazer cinema. Esta decisão que para muitos poderia parecer estranha foi a melhor decisão que tomei na minha vida! Desde então tudo que vejo, penso, falo e sinto, tudo, vira filme, pois quanto mais eu ia conhecendo, mais eu me apaixonava por uma forma de arte tão inventiva e emocionante como o cinema. Assim, comecei a aceitar mais as minhas sensibilidades como algo positivo e pude ser mais feliz comigo mesma. Eu acho que o cinema é a forma de arte que mais se aproxima da vida real e humana, daquilo que são os nossos sonhos e os nossos desejos mais profundos e quando você descobre isso, não tem como voltar atrás”, declarou Izabela.
A cineasta ainda respondeu sobre o que mais gosta nesse ‘lance’ de ser uma cineasta e sobre o início de seus estudos na faculdade de cinema. “Eu não sabia o que era um diretor e não tinha assistido muitos filmes e minha referência de cinema era o que passava na televisão e quase sempre na Sessão da Tarde”, falou a cineasta.
Izabela entrou como bolsista do Prouni na primeira turma do curso de cinema da PUC Minas e, segundo ela, por sorte teve professores muito apaixonados e que inseriram ela no mundo dos clássicos. Ela também contou que na primeira vez que assistiu ‘Acossado’ de Jean Luc Godard, cortou o cabelo curtíssimo, “igual a Jean Seberg e acho que ali foi um marco de um renascimento, onde pude começar a me tornar eu mesma e não aquilo o que os outros queriam que eu fosse”, disse a lagopratense.
Continuando, a lagopratense disse que foi só no terceiro período da faculdade que dirigiu o primeiro filme, e foi quando se e descobriu uma diretora. “A professora da disciplina de documentário pediu que cada aluno fizesse um filme autobiográfico que contasse um pouco da sua história até chegar ali. Eu fui vasculhar algumas fotos antigas e umas fitas VHS da minha família, tentando encontrar alguma imagem que pudesse ilustrar a minha infância. Eram mais de 50 fitas e na época fazia pouco que meu avô havia falecido e as questões da herança dividiam toda a família. As imagens das fitas, contavam uma história, que não era só minha, mas a história de uma casa ‘A casa do tempo perdido’, nome do meu primeiro filme que fazia referência a um poema de Drummond”, explicou Izabela.
Depois de ‘A casa do tempo perdido’, a cineasta produziu um segundo documentário para para a disciplina de cultura religiosa, sobre história do Carlito, líder de uma guarda de congado da Nossa Senhora do Rosário em Lagoa da Prata. Segundo Iz, esse foi um filme muito importante para ela, pois atestou o seu caminho no cinema de documentário
“Depois as coisas foram crescendo, um filme vai chamando o outro e assim seguimos essa jornada inesperada que é a vida. Mas se você me pergunta o que eu mais gosto, não tem uma resposta certa, muitos dizem ‘não gosto de fazer isso, só gosto de fazer aquilo’, mas eu realmente gosto de fazer tudo! Todas as funções me encantam e ver a ideia de um filme nascer e ganhar forma é muito bonito, independente de qualquer função que eu desempenhe em um filme, faço tudo com muito amor e feliz de fazer acontecer. As coisas que desconheço, busco conhecer como a curiosidade de uma criança. Não tenho medo de errar e aprender e acho que é esse o significado da humildade”, alegou Izabela.
A respeito de dificuldades ou dúvidas na carreira, a lagopratense contou o único momento em que questionou sobre seguir na profissão, foi no principio do curso de cinema porque, de acordo com ela, não conseguia enxergar muito bem uma possibilidade de futuro.
“Por ser mulher, sempre acabava exercendo a função de produtora ou direção de arte, mas isto não me bastava. Queria criar! Pensei em mudar para artes plásticas para conseguir ter mais controle criativo, mas logo esta dúvida foi embora quando fiz meu primeiro filme e fui adquirindo conhecimento com as novas disciplinas. Percebi que no cinema, mesmo em funções distintas, existem muitas possibilidades criativas para serem exploradas de forma independente e que postas em conjunto formam esta grande arte. Cabe ao diretor orquestrar esta equipe, escolhendo pessoas que tenham admiração recíproca com o seu trabalho e com a ideia do filme que está sendo realizado”, declarou.
Cineasta recomenda
Para aconselhar pessoas que se identificam com a carreira de cineasta ou cinema e que pensam em seguir nesta área, a lagopratense alegou que é difícil dar um conselho para seguirem nesta área dos filmes, porque no final cada um seguirá a sua história. Iz ainda completou falando que algo que pode ter dado certo para ela, pode ser diferente para o outro, mas a cineasta disse uma coisa que a fortaleceu muito como mulher a seguir a carreira, foi descobrir a história das diretoras, pois são muitos os relatos de talento e superação, que trazem esperança.
“Quando entrei no curso de cinema o momento era outro, a Ancine estava no auge e seguiu distribuindo muita verba para todos os estados. E agora o projeto de desenvolvimento do atual governo deixa bem claro a intenção de destruir toda a forma de incentivo à cultura. A Ancine, um dos órgãos mais importantes para retomada do cinema nacional, chegou a lançar mais de mil filmes na década de 2010, e que agora só existe no nome. A nossa Cinemateca Brasileira, local onde se preserva todo o acervo de filmes da história do país, foi fechada. Todos os funcionários que são os maiores especialistas na preservação de filmes no país e que trabalhavam anos a fio nesta mesma função, foram demitidos, sem nenhuma explicação satisfatória e sem nenhuma substituição por uma mão de obra qualificada. A importância da Cinemateca Brasileira para a preservação da nossa memória e da nossa cultura se compara a importância do Museu Nacional para as ciências naturais. E as películas são materiais altamente inflamáveis que devem ser mantidas em condições de temperaturas adequadas para que não ocorra mais um, diante dos inúmeros incêndios que já ocorreram. A dica que posso dar neste momento a uma pessoa que queira trabalhar com o cinema ou com cultura, é que comece lutando pela preservação da nossa memória, pois é ela que nos provoca a esperança e gera a sensação de pertencimento. Eu jamais teria me visto como uma diretora, se eu não conhecesse a história de muitas outras que vieram antes de mim. E este caso da memória, me provoca muito a pensar a situação de Lagoa da Prata, por que eu também jamais teria me visto e me aceitado como artista se eu não tivesse tido o privilégio de conhecer e ter contato com a produção cultural em Belo Horizonte. E nisto eu tenho muito a agradecer ao E-Cult, por que foi a partir do surgimento deste movimento que eu fiz parte junto com tantos outros companheiros, é que se iniciou esta minha busca incansável e insaciável de matar a minha fome de cultura. Nossos espaços históricos, nossa natureza, estão sendo cada vez mais abandonados e a nossa história está morrendo junto com aqueles que ainda poderiam relatar um pouco, do que um dia já foi a nossa Lagoa da Prata. Não conhecemos nossos poetas, nossos músicos, nossos pintores, nossos artesãos, cientistas, cineastas… E não é por ausência de nomes, é por descaso com a nossa cultural e com a nossa memória. E o fato é que se eu não conheço a minha origem, eu não sei quem eu sou. E se eu não sinto que aquilo me pertence, eu não preciso cuidar e nem preservar. O depredamento e abandono do espaço público, está intrinsecamente ligado com a ausência da memória e eu espero do fundo meu coração, que em algum momento, a ausência de incentivo a cultura e a preservação da nossa memória se reconheça e assim possamos fortalecer os nossos artistas e fazer renascer o nosso museu novamente”, finalizou Izabela.