“Preservá-la é uma questão de afirmar nossa cidadania”, diz integrante do ‘Abrace a Praça’

Praça da Matriz em Lagoa da Prata.(Foto: Rafael Robatine/Jornal Cidade)

“Preservá-la é uma questão de afirmar nossa cidadania”, diz integrante do ‘Abrace a Praça’

Reportagem: Alan Russel

A Prefeitura de Lagoa da Prata anunciou recentemente a realização de uma obra completa para reforma e “modernização” da Praça Coronel Carlos Bernardes, popularmente chamada pelos lagopratenses por ‘Praça da Matriz’ – o edital para reforma da praça foi publicado no dia 7 de agosto, convocando licitação para o dia 25 de agosto.

No mês de julho, em vídeo publicado nas redes sociais da gestão municipal, o prefeito Paulo Teodoro disse que “nem Paris vai ter uma praça igual a essa”, se referindo à reforma da principal praça da cidade.

Projeto da reforma e modernização da Praça da Matriz apresentado pela Prefeitura. (Foto: Prefeitura Municipal de Lagoa da Prata)

Porém, na manhã de segunda-feira (24), foi publicado no Diário Oficial, a suspensão temporária do processo licitatório e cancelamento da abertura da licitação que aconteceria nesta terça-feira (25). De acordo com o Diário Oficial, o motivo para a suspensão do processo licitatório se deu a partir de impugnação apresentada pelo Conselho de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Lagoa da Prata.

Conforme informações do jornalista Alan Russel para o Jornal Cidade, o presidente do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio, Lucas Gontijo de Melo, explicou a atuação do Conselho no município e falou sobre a reforma na Praça da Matriz.

Ao Jornal Cidade, Lucas disse que o Conselho de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico tem um papel muito importante na preservação e no apoio ao desenvolvimento da cultura local, e que no dia 10 de agosto, o Conselho recebeu vários projetos de intervenção.  “O projeto de revitalização da Praça da Matriz foi apresentado aos conselheiros, pela arquiteta e urbanista da Prefeitura, Thais Amorim, juntamente com o secretário de Cultura e Turismo, Cláudio Tatau. Diante da complexidade das intervenções que o projeto propõe, o Conselho deliberou pela criação de uma Comissão de Patrimônio Histórico Cultural para análise e emissão de relatório sobre projeto. A praça faz parte da história de Lagoa da Prata, o local reúne relevante valor cultural e histórico para comunidade, portanto, uma intervenção conforme à anunciada merece uma análise mais detalhada” explicou o presidente do Conselho.

De acordo com o edital lançado no início do mês, o valor total da obra é de R$ 629 mil, e dentre as mudanças que constam no edital, o que mais chamou atenção dos profissionais de engenharia e arquitetura é a retirada completa das pedras portuguesas para implantação de piso em concreto usinado, mudança do traçado original da praça, além da subtração de quatorze árvores no entorno da Paróquia São Carlos Borromeu.

Assim, após o anúncio da reformulação da praça, a sociedade civil se organizou de forma a contestar a posição da gestão com relação à reforma. Um grupo composto por engenheiros, arquitetos e demais profissionais da sociedade civil se articularam e lançaram um movimento intitulado “Abrace a Praça”.

A engenheira civil e arquiteta urbanista, Natália Bessas, que faz parte do movimento, explicou ao JC que o mesmo foi criado de forma espontânea por diversos membros da sociedade que demonstraram extrema preocupação e apreço pela importância e representatividade histórica do conjunto arquitetônico da Praça da Matriz. “Sabemos que é de extrema necessidade a revitalização da praça diante de sua situação atual, mas acreditamos que essa benfeitoria não pode ignorar a inegável importância histórica do local. É dever do município o levantamento de todos os bens de interesse de conservação, mesmo que não tombados. O que vemos neste caso é o oposto, o próprio departamento ignora o fato da relevância histórica do objeto em questão propondo uma drástica intervenção que vai além de uma revitalização”, destacou Natália.

A engenheira ainda falou a espeito da falta de justificativa plausível para a remoção das pedrinhas portuguesas que ornam a calçada da praça. Além disso, mostrou-se preocupada com a segurança dos usuários, uma vez que a nova pavimentação de concreto poderá deixar o piso totalmente impermeável.

“Além dos fatos históricos, é importante ressaltar, analisando o projeto de intervenção nos aspectos técnicos, que não há justificativa para remover a calçada portuguesa, que além de ser um objeto histórico é um item artístico, por se tratar de um mosaico desenhado com formatos específicos. No Brasil é dos mais populares materiais utilizados pelo paisagismo desde o século XIX, devido à sua flexibilidade de montagem e de composição plástica. A sua aplicação pode ser apreciada em projetos como o famoso calçadão da Praia de Copacabana. Considerando a resistência dos materiais, não faz sentido algum no ponto de vista técnico, remover uma calçada artística que possui grande propriedade de resistência ao tráfego e às ações do tempo. Como arquiteta e engenheira, me preocupo com relação a pavimentação de concreto, pois caso esse tipo de piso seja utilizado, ressalto que a execução tem que ser muito bem feita, senão fica todo trincado e cheio de fissuras. Além disso é um piso totalmente impermeável, sujeito a acumular água e consequentemente criar lodo, comprometendo a segurança dos usuários. Indo mais além, as pavimentações de concreto criam ilhas de calor, fato ainda mais preocupante, já que serão suprimidas 14 árvores, sendo que mesmo com o replantio, até essa nova arborização atingir o porte da atual, será daqui muitos anos; sendo assim, a praça irá sofrer bastante com a insolação”, alegou.

Outra integrante do movimento “Abrace a Praça” é Rosana Baía Lobato, que também falou ao Jornal Cidade. Segundo ela, há uma total indiferença da gestão pública com relação à memória e ao patrimônio histórico se traduz no desrespeito com a população de Lagoa da Prata. “Impor um projeto de destruição da Praça da Matriz que levou anos construindo a história da cidade, desperta a indignação de grande parte da população. A incapacidade do poder público de perceber que a preservação não passa pela opção de manter o antigo ou construir o moderno se mostra claramente na destruição do patrimônio histórico. Não cabe mais ideias e o que predomina é o antigo ou o moderno”, apontou Rosana, que também evidenciou que os recursos investidos para a reforma da praça da Matriz poderia ser descentralizado, atendendo outras praças e regiões da cidade.

“Quantos bairros novos na cidade hoje se encontram sem praça e sem área de lazer? O Projeto da nova praça representa o “moderno” passando por cima da história e demonstrando total desrespeito pelos eventos religiosos e culturais que contribuíram para formação do seu povo. Passa por não considerar os artesãos que dedicaram seu trabalho na construção do piso, passa por não consultar a população e ouvi-la, passa pela total falta de ética, passa pelo total desrespeito pela democracia, passa pelo mau uso do dinheiro público que poderia ser mais bem utilizado. Hoje a Praça Coronel Carlos Bernardes tem no conjunto arquitetônico formado pela igreja e o piso das pedrinhas portuguesas, a última parte do que sobrou da história da praça. E preservá-la é uma questão de afirmar nossa cidadania”.

Redação