“O que sai das mãos vem do coração”: Conheça o trabalho dos artistas contemporâneos de Lagoa

(Foto: Ana Maria Rezende/Arquivo pessoal)

“O que sai das mãos vem do coração”: Conheça o trabalho dos artistas contemporâneos de Lagoa

Bárbara Félix

O que não falta em Lagoa da Prata é gente talentosa e a nova geração de lagopratenses tem deixado isso bem claro através de diversos trabalhos artísticos. Seja através de desenhos, bordados, criação de artefatos e assessórios, as artes feitas pelas mãos dos artesãos da cidade, emanam sensibilidade e paixão.

O Sou+Lagoa reuniu quatro jovens artistas que falaram sobre como começou o amor pelo que fazem e também trazem à tona a valorização do ‘feito à mão’.

(Foto: Paulo Henrique Reis Silva/ Arquivo pessoal)

Dono de desenhos extraordinários, Paulo Henrique Reis Silva, divulga seus desenhos em um perfil no Instagram @artedopaulomesmo, e embora só agora sua arte esteja sendo vista, Paulo contou à redação que começou a traçar o lápis no papel quando ainda era criança.

Apaixonado pela arte de desenhar, o jovem disse ainda que aprendeu tudo sozinho e que na infância fazia bonecos de papel para brincar com os amigos – personagens como Naruto e Pokémon.

“Nunca tive um professor de desenho ou algo parecido. No começo, foi observando os personagens de animes e mangás, as expressões e os formatos dos corpos, as paisagens. Hoje qualquer coisa que vejo é referência. Treino e observação são o ‘segredo’ pra mim”, destacou Paulo.

Rituais para criação e a arte é ser

O artista também disse que a inspiração para desenhar depende do seu humor, que é mais comum organizar o  espaço e sozinho criar quando sentir vontade, e com isso, o ritual para a hora de desenhar é colocar música e beber chá, antes e durante o processo.

Ainda no gancho das inspirações, eis que as fontes de Paulo são artistas que ele ouve e admira, como Aurora e Florence, da Banda Florence + The Machine, que conforme o artista, estão bem presentes em seu trabalho.

“Minhas vivências, reflexões e sentimentos, também têm grande espaço no que produzo, como nos autorretratos. A vida e a natureza e seus mistérios também me inspiram bastante. Basicamente tudo que causa algum sentimento, seja bom ou ruim, me inspiram de alguma forma”, destacou.

Motivado por tudo ao seu redor, Paulo afirmou que não há ‘Paulo sem arte’, afinal, os desenhos que faz, é como uma terapia, onde coloca no papel o que não consegue expressar através de palavras.

(Foto: Paulo Henrique Reis Silva/ Arquivo pessoal)

“Eu preciso fazer arte. Sou tímido e introspectivo e fazer arte é minha melhor forma de expressar o que tem em mim. Produzir arte é uma necessidade, faz parte do que sou. Desenho por prazer, e também faço por encomenda e a maioria dos que posto no Instagram estão disponíveis também”, contou o artista.

Arte desvalorizada

Paulo, como um artista contemporâneo de Lagoa da Prata, acredita que há a falta incentivo para novas gerações nesta área e esta falta é algo que ele percebe desde a época em que estudava.

Conforme ele, na rede pública de ensino nunca deram a importância devida para as áreas artísticas, e que era apenas nos eventos escolares de dança, teatro e muito pouco nas aulas de Artes, que os alunos tinham a oportunidade de trabalhar e desenvolver seu lado artístico.

(Foto: Paulo Henrique Reis Silva/ Arquivo pessoal)

“Desenvolver talentos nunca foi o forte do ensino público. Não culpo os professores, mas o Estado, quem administra o conteúdo das escolas, que torna obsoleto o desenvolvimento não só artístico, mas também emocional, espiritual, social e político. A escola é poderosa, mas nunca usaram, nem valorizaram esse poder. Como consequência, a sociedade em si não valoriza a arte, esse é outro fator desmotivante. Muitas pessoas acham caro ou nem consideram uma profissão de verdade. E novamente o estado, que não facilita o acesso, como cinemas caros – pois o audiovisual nacional é deixado de lado para filmes estrangeiros de bilheteria bilionária. Realmente me assusta que o tão novo (des)governo desvalorize a arte e cultura mais ainda que o anterior, uma vergonha”, destacou o artista.

Paulo ainda evidencia a falta de incentivo e valorização do Governo, que faz a população, de maioria pobre, também ser desvalorizada, afinal, dificilmente possuem acesso a teatros, cinemas, exposições e shows musicais.

“Eu, por exemplo, fui ao cinema uma vez na vida numa viagem da escola. Enfim, trabalhar com arte é difícil, por isso a importância dos eventos culturais, como o Imergir – artes integradas, do qual tive o privilégio e prazer de participar. Foi palco pra vários artistas independentes da cena atual, não só do campo visual; muitas pessoas tiveram contato com o meu e o trabalho de muita gente daqui e da região que pela internet, que é onde eu atuo, não teriam. Enquanto uns tentam censurar injustamente eventos culturais por questões políticas, o pessoal do Coletivo Nexalgum faz algo pela cultura e lazer em Lagoa da Prata e têm meu total apoio e admiração”, disse o artista.

Arte no digital

Outro artista que domina os desenhos é Igor Chagas, que utiliza uma forma menos ‘tradicional’ para a criação das artes, produzindo desenhos digitais no computador, utilizando as ferramentas Illustrator e Photoshop, com o auxílio de uma mesa digitalizadora e o mouse.

Contudo, Igor contou que começou como todo mundo, desenhando na escola, com seu irmão e mais tarde, teve bastante contato com uma prima que era tatuadora, que conforme Igor, o incentivou bastante, assim como todos os seus familiares, que sempre o apoiaram.

Em relação à motivação que faz com que Igor desenvolva os desenhos, o artista contou que às vezes basta estar assistindo algum videoclipe – se o conteúdo for legal, logo vai desenhar. Ao chegar ao resultado final do desenho, Igor ressaltou que muitas vezes o que imagina, muda bastante durante o processo.

Ainda sobre as criações, o artista destacou que atualmente produz por hobby, e que são poucas vezes que faz alguma por encomenda.

“Adoro desenhar meus amigos e dar uma arte pra eles de presente, porém, acho que aqui na cidade não tem muitos lugares onde você pode aprender novas técnicas de desenho ou pintura, acho muito restrito. Eu tive apenas uma oportunidade de expor meu trabalho até então”, disse Igor.

Valorização do ‘feito à mão’

Com muita habilidade e carisma para produzir peças tão delicadas, uma das artistas contemporâneas de Lagoa da Prata é Michely Marins, que faz quadros bordados à mão em bastidor e o princípio de tudo foi quando tinha apenas oito anos, quando teve o primeiro contato com bordado através de uma tia, onde juntas, faziam trabalho voluntário na Fundação Chiquita Perillo.

Conforme Michely, foi na fundação que aprendeu tudo que sabe hoje, mas que por um tempo, ficou sem praticar, até que no início de 2018 a paixão pelo bordado ressurgiu.

“Uma amiga me mostrou uma blusa que ela tinha bordado e logo peguei um bastidor antigo que tinha guardado em casa e comecei a treinar o bordado livre, que é o que trabalho atualmente”, informou Michely.

A arte de Michely, não é apenas um hobby, afinal, ela possui um micro negócio, que segundo ela, nem imaginaria que aconteceria, pois só bordava para si quando começou ou para presentear pessoas queridas.

“Apesar de tudo, em março de 2019 surgiu a ideia de criar a minha página no Instagram @esmero.art, com a intenção de divulgar o meu trabalho e também pegar encomendas”, disse Michely.

E mesmo com a falta de espaço para expor o seu trabalho e o pouco incentivo para as novas gerações de artistas de Lagoa da Prata, eles perseveram e procuram ter os próprios lugares para que a sociedade possa conhecer o que fazem.

Para Michey, é preciso cada vez mais valorizar e promover a cultura do feito à mão. “Precisamos compreender melhor o valor do artesanato, o cuidado e a dedicação de cada artesão”, declarou a artista.

Muito mais que artesanato

Outra artesã de Lagoa da Prata é Ana Maria Rezende, que produz acessórios em acrílico, os quais ela mesma cria, desenha e envia para uma empresa terceirizada para cortar os moldes, e em seguida, ela faz a montagem. Além do trabalho em acrílico, Ana produz arte em macramê, que vai desde itens decorativos para casa, como painéis, suportes para plantas e cortinas; quanto a objetos de uso pessoal, a artista faz bolsas e chaveiros, que vende em sua loja @anabana.na no Instagram.

(Foto: Ana Maria Rezende/Arquivo pessoal)

Ana começou a desenvolver este trabalho há um ano, e segundo ela, o fator principal para realização deste projeto foi partir em busca de algo que realmente gostasse de fazer.

“Certa vez li uma frase que me impulsionou muito, esta sendo ‘Crie coisas que você gostaria que existissem’, e desde então não parei de criar. Comecei fazendo peças para mim, e sempre alguém elogiava, comentava e pedia para que eu fizesse para comercializar também”, declarou a artesã.

Ela ainda ressaltou que muitas pessoas estiveram ao seu lado apoiando e incentivando, mas quem esteve no pilar, foi sua tia “Lili” bordadeira.

“Ficava encantada quando ela sempre, com grande satisfação me mostrava seu trabalho com alegria, algo que ela fez com as mãos, afinal o que sai das mãos vem do coração. E eu acho que ser artesão é isso. É se doar, é se doer, é acreditar, é viver! Viver o seu anseio, a sua vontade, o seu propósito. Lidar com a criação, produção e emoção de fazer – seja qual for – a arte que você faz com tanto apreço, não se mede”, destacou Ana.

E embora a satisfação em ‘fazer com as mãos’ um trabalho tão delicado, Ana salienta que lidar com a desvalorização do artesanato é algo muito triste, afinal, a cada criação há amor, carinho, energia e dedicação envolvidos.

“Que possamos continuar construindo nossa história com a nossa arte, seja ela em forma de nós atados ou bordados, de pinturas, de esculturas, de músicas, de danças, de textos, e tantas expressões em forma de arte que faz desse mundo melhor”, finalizou Ana.

(Foto: Ana Maria Rezende/Arquivo pessoal)

Redação