(Foto: Prefeitura Municipal de Lagoa da Prata)
Mães relatam casos de racismo em escola de Lagoa da Prata
Como a maioria dos casos de racismo só recebem ‘justiça’ através das redes sociais, todos os dias inúmeros casos de racismo são expostos, gerando grande comoção e revolta nos internautas, afinal, esse negócio de preconceito é a uma ideia ultrapassada! E quando parece que essas coisas só acontecem bem longe de Lagoa da Prata, a verdade é que estes atos pavorosos ocorrem na cidade também, e infelizmente em ambientes que deveriam ensinar que independentemente de cor, todos são iguais.
O Sou Mais Lagoa abordou dois casos ocorridos em escola do município com duas crianças. A redação conversou com as mães, que falaram sobre os casos que aconteceram neste ano de 2019.
Foi através das redes sociais que Talita Luciana, expôs um caso de racismo que aconteceu com sua filha, no Cemei Alexandre Bernardes Primo.
A redação conversou com Talita, que relatou o caso. A mãe preferiu não dizer o nome da filha, para evitar exposição, e também optou por não dizer o nome da professora.
“Numa quinta-feira o pai a arrumou pra ir a escola e como o cabelo da minha filha estava com uns cachos bonitos, deixamos ir com ele solto. Até aí tudo bem! Eu e Danilo, pai dela, fomos buscá-la e antes da gente falar algo, ela já veio com os olhos cheio de lágrima e o cabelo amarrado dizendo: ‘Mamãe, nunca mais me deixa vir na escola de cabelo solto, todo mundo riu de mim! Por isso eu queria ter cabelo liso porque ninguém ri de cabelo liso’. Eu fiquei muito triste e perguntei à ela quem havia amarrado, e ela disse o nome da professora”, contou a mãe.
Talita ainda disse que quem amarrou o cabelo da filha era professora de apoio da sala.
“Eu fiquei muito triste e perguntei à ela se a professora havia falado algo para as meninas da sala e ela disse que não, que ela arrumou uma ‘buxinha’ de cabelo e amarrou. Foi aí que eu fiquei com mais raiva, porque ela não deu um sermão nas meninas, não explicou sobre o cabelo dela, não falou sobre as diferenças de cada um, mas buscou a opção mais fácil, que foi amarrar o cabelo da minha filha e deixar as outras crianças acharem isso normal”, relatou Talita.
O sentimento de mãe
Talita alegou que a professora não deveria ter tido essa reação, que deveria ter explicado para as crianças que não devem rir ou debochar das diferenças de ninguém.
“Todos nós temos as nossas diferenças e devemos respeitar, mas a professora foi ingênua em não fazer nada, nem explicar. Alguns dias depois minha filha não queria ir de cabelo solto. Um dia após o ato, fiz umas trancinhas de lado e fiz uns cacheados. Disse para ela olhar no espelho e ver como estava. Ela olhou e disse: ‘Agora quero ver quem vai rir de mim’”, conta Talita.
A mãe ainda salienta que mesmo que para muitos isso possa ser uma besteira, para ela é um ato preconceito.
“Se ela não tivesse sentido, ela não teria feito esse comentário na frente do espelho. Sempre converso sobre o cabelo, sobre a cor, a mostro meninas lindas que tem o cabelo igual ao dela, mulheres fantásticas”, declarou.
A mãe ainda disse que foi na escola e conversou com a vice-diretora e a diretora, mas a resposta delas não foi o que esperava.
“Elas me disseram que eu estava alimentando o bullying, que as pessoas estão fazendo isso hoje em dia e que antigamente era pior. Aí eu questionei e disse que era mesmo, por isso tem tantos alcoólatras, viciados, e gente sem autoestima na vida! Por isso tem crianças de quatro anos já fazendo terapia por causa de bullying! Fiquei impressionada com a resposta delas sobre uma coisa tão séria”, alegou Talita.
Medidas foram tomadas
Ao ser questionada sobre quais medidas foram tomadas perante o caso, Talita contou que uma tia foi até a secretária de Educação e fez a reclamação, e medidas com a professora e diretoras foram tomadas. De acordo com Talita, no outro dia a filha chegou da escola contando que teve uma rodinha para falar sobre bullying.
“É lamentável como responsáveis pela Educação tenham esse tipo de atitude, principalmente da direção achar isso tudo uma besteira, enquanto a gente vê várias crianças com problemas de aceitação nas escolas e na vida. Espero que isso mude, que não sejamos obrigados a ‘acostumar’ com preconceito e nem com o bullying. Que as professoras sejam mais cautelosas com esse tipo de situação que saibam explicar a essas crianças o que é respeito e amor um com outro independente da cor, gênero , altura, classe social”, disse a mãe.
Mais um caso relatado
Outro caso de racismo que aconteceu na mesma escola, foi com o filho da ex-moradora Priscila Borges, que contou à redação que ao buscá-lo na escola, a professora disse que ele havia dado uma ‘bofetada’ em uma coleguinha de classe, e segundo Priscila, a professora ainda disse que o ato do filho foi sem motivos, e em consequência disso a criança ficou de castigo. A mãe optou por ocultar o nome do filho e da docente.
A princípio Priscila contou que concordou, por ainda não ter conhecimento do que havia acontecido, e disse que em casa conversaria com o filho.
“Quando chegamos em casa, comecei a conversar com meu filho e ele disse assim: ‘Mamãe, eu bati nela porque ela é mau’, então perguntei o porquê dele não gostar dela, e ele me disse que a garotinha vivia falando que a cor dele é cor de cocô. Na hora, fiquei sem palavras, mas mesmo assim me segurei e falei que nesses casos, ele deve falar para a professora, que não pode bater, mesmo que a garotinha estivesse errada, afinal teve um motivo e ele ficou de castigo justamente pela professora ter achado que não havia um”, disse Priscila.
A mãe destacou que sempre fala com o filho sobre a cor, porque conforme ela, quando ele foi para essa escola, começou a mudar o comportamento.
“Percebi que estava ficando mais triste, todo dia perguntava o porquê de não ser branco, porque que os amiguinhos todos eram brancos. Dizia que o lápis de cor que a professora falava que era cor da pele não era da cor da pele dele. Esse termo ‘cor da pele’ ainda é usado pela professora, e não existe lápis com essa cor, não! Por isso já vinha trabalhando com ele está questão, porque já estava percebendo uma mudança”, esclareceu a mãe.
Priscila relatou que comentou com o marido sobre a mudança no jeito de agir da criança, que vinha perguntando, falando muito e preocupado sobre a cor, mas que no dia do ocorrido na escola, descobriu o que estava acontecendo.
“Foi um ato racista que meu filho sofreu, pelo que entendi a professora não sabia que a menina havia falado para meu filho, só que ela também não procurou saber a razão dele ter batido nela, simplesmente o colocou de castigo, e a aluna não foi punida e meu filho foi, porque ele bateu nela, o que foi errado, mas ela não procurou saber o que realmente tinha acontecido”, disse Priscila.
A mãe também salientou que o filho sofreu muito com o que aconteceu, e que após o ocorrido, teve que conversar bastante com ele.
“Ele ficou bastante incomodado com a cor dele, ele queria mudar de cor, e tive que conversar, falar que ele é igual a todo mundo, que ninguém é melhor do que o outro. Que a sua cor é muito bonita e até comprei um conjunto de lápis de colorir, que vem seis tons de ‘cores de pele’, estas que representa muito as cores do Brasil, e ainda falei com ele, que não existe só gente branca, existe gente de várias cores! Foram muitos dias de conversa”, declarou.
A família sente
Priscila relatou que familiares ficaram muito chateados com a situação, e que a avô paterna da criança, que mora em outra cidade, queria vir para Lagoa da Prata conversar com a diretora.
“A avó dele é pedagoga há anos, e na sala dela nunca houve um caso desse! Então foi um processo bem delicado, afinal é muito ruim para uma mãe ver um filho triste, não querendo ser o que ele é, isso é de partir o coração. Eu também sou professora e sei que ele está em formação, e este processo influência muito no adulto que ele vai ser”, disse a mãe.
Familiares tomam atitudes, mas professores continuam omissos
Após o ocorrido, Priscila contou que foi logo pela manhã na escola para conversar com a professora sobre o caso, mas acabou conversando com a diretora, que segundo Priscila, não demonstrou tanta importância.
“Ela falou para mim que isso é normal, que a menina é apenas uma criança, que eu deveria prepará-lo porque isso aconteceria sempre, e isso para mim foi um descaso, a professora não falou que ia conversar com os pais da criança que fez o ato racista com meu filho. Eu não tenho que preparar meu filho para sofrer atos racistas, isso tem que acabar! Ela só falou que na semana iria trabalhar sobre isso, e não vi nenhum trabalho sobre na escola. O lápis de colorir que comprei para ele, mandei para escola, meu filho disse que não usou e que foram guardados”, contou a mãe.
Foi destacado por Priscila que nenhuma medida foi tomada, e que após comparecer na escola, não recebeu nenhum feedback da situação.
“Tomei as atitudes certas perante a situação. Trabalhei o psicológico do meu filho e pedi ajuda para a família. Este ato só aumentou ainda mais a minha vontade de ir embora de Lagoa da Prata, que é uma cidade muito boa, mas infelizmente, muito atrasada culturalmente, tem ainda muito preconceito. Então isso foi o que mais pesou a nossa volta para São Paulo”, disse Priscila.
Com a volta para a cidade natal, a mãe relatou que o filho ainda sofreu com a adaptação na escola, ficando receoso e demorou para fazer amizades com os novos colegas, se excluindo. Mas que hoje, está mais feliz, uma criança que não tem mais uma ferida no coração.
“Ele foi bastante acolhido na nova escola, o que ajudou bastante. Continuamos conversando com ele, mostrando que pode ter amigos, que muitos gostam dele e a família o ama! E para ele estar como agora, teve todo um trabalho gigante, para que ele se abrisse e ficasse feliz, e isso vai continuar, para que possa crescer, sendo um homem de bem, sabendo que é uma pessoa boa, que a cor dele não influenciará em nada na vida dele”, declarou Priscila.
A Educação fala
A redação do Sou Mais Lagoa ainda conversou com a secretária de Educação de Lagoa da Prata, Paulene Andrade. Conforme ela, o caso foi acolhido e ouvido.
“Entendemos e respeitamos o sentimento da família. Imediatamente comunicamos com a diretora, orientamos a se desculpar com a mãe, a fazer uma reunião e definir estratégias para resolver a situação. Lembrando também que o tema foi trabalhado durante todo o ano, através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Reiteramos que não compactuamos com qualquer espécie de preconceito”, finalizou a secretária.