Familiares de lagopratenses com Down ajudam a quebrar preconceitos sobre a síndrome

(Foto: Suelen Mendonça;Sabrina Lara;Bárbara Felipe/Arquivo Pessoal)

Familiares de lagopratenses com Down ajudam a quebrar preconceitos sobre a síndrome

Na terça-feira (21), foi comemorado o Dia Mundial da Síndrome de Down, em prol da conscientização e celebração da vida das pessoas com a síndrome, para garantir que elas tenham as mesmas liberdades e oportunidades. 

São muitos estigmas e preconceitos acerca das pessoas portadoras da síndrome, e é preciso reforçar cada vez mais a capacidade de aprendizado e autonomia dessas pessoas – para que assim elas sejam inseridas na sociedade de forma cada vez mais natural.

O Sou+Lagoa conversou com três lagopratenses que se relacionam diretamente com portadores da síndrome de Down, que ajudaram a entender o cotidiano dessas pessoas e como lidar com um diagnóstico.

Sabrina Lara é mãe de Júlia, uma criança de três anos com síndrome de Down. Júlia tem uma melhor amiga e interage socialmente. “Síndrome de Down não tem grau, depende do estímulo e condição que você oferece para criança. Eles não possuem deficiência mental, e sim intelectual, sendo assim tem capacidade de aprender tudo no tempo e limite deles”, explicou ela.

Em relação à maternidade, Sabrina traça um paralelo entre a educação da primeira filha, de 12 anos, e a de Júlia; e afirma que a dedicação e o comprometimento são totalmente diferentes.

“Todos filhos são diferentes, mas a criança atípica é um mundo diferente. Conseguem realizar as atividades sim, mas no tempo e desenvolvimento deles. São apenas crianças que precisam de um cuidado e carinho maior”, disse.

Bárbara Felipe é irmã de Maria Júlia, de 17 anos, que é portadora da síndrome. Maria leva uma vida social normal e apesar dos atravessamentos do preconceito, sempre foi ensinada a viver com autonomia. 

Segundo a irmã, Maria andou e falou quase na mesma idade de qualquer criança, sabe ler, escrever e estuda em escola regular; gosta de colorir, cantar, dançar, já fez aula de dança e participou de festivais, praticou outros esportes, interage nas redes sociais, tem os seus ídolos preferidos e adora participar das festas de família.

Ela também falou que a inclusão nas escolas e no mercado de trabalho ainda são grandes desafios devido à falta de informação e conhecimento.

“Ainda tem muito que melhorar, não estão totalmente preparados para receber as crianças e adultos com síndrome de Down. Precisam capacitar os profissionais para lidar no início que talvez precisem de apoio maior; nas empresas, potencializar e não subestimar a capacidade das pessoas que têm síndrome de Down. Elas têm capacidade sim, de serem bons profissionais, aprender determinada função e executar de forma incrível como qualquer outra pessoa”, declarou. 

As pessoas com síndrome de Down não devem ser vistas de modo diferente, mas sim como pessoas que têm necessidades adicionais. No entanto, a capacidade de inclusão deve ir além do aspecto psicopedagógico, e envolver a parte social.

“Hoje, vivendo o momento escolar, percebemos que ainda existe o preconceito, não falo em discriminar, tratar mal, ofender; mas que às vezes acham ‘ok’’ deixar o aluno de fora da dança ou da apresentação, não incluí-lo em uma viagem, não convidar para uma festa de aniversário onde todos os outros são convidados… Pais e funcionários devem ensinar aos seus filhos que não é legal excluir alguém por causa da sua incapacidade, raça ou gênero, ou por ter uma deficiência. O que eu quero para minha irmã é igual o que qualquer irmão quer; que seja querida, tenha amigos e não seja deixada para trás. E a maneira de fazermos isso é dar o exemplo e encorajá-los a fazer escolhas que podem os tornar amigos de todos”, explicou Bárbara.

Para ela, a principal forma de combater o preconceito é através da informação. “Acho que levar conhecimento e informação é muito importante, nas escolas por exemplo, acho que deveriam fazer reuniões, palestras com pais, alunos e funcionários, todos do meio de convívio para abrir os olhos a diversidade, pois ninguém é igual a ninguém, todos nós temos nossas dificuldades e limitações também”, ressaltou.

 

Desafios do cotidiano e os principais estigmas

Maria Vitória tem 19 anos e é filha da enfermeira lagopratense Suelen Mendonça, que contou que já sofreu muito mais limitações em relação às outras condições de saúde do que em relação à síndrome de Down. Para Suelen, a realidade da exclusão só vai mudar a partir da visibilidade e mostrar que não é uma doença, apenas limitações e dificuldades como qualquer outra pessoa pode ter.

Ela reforçou ainda que a alteração genética que causa a síndrome não é causada por fatores externos, mas sim na formação ainda no útero, portanto, não cabem julgamentos em relação à conduta das mães.

Suelen pontuou que apesar de existir, sim, um retardo intelectual, não cabe o uso de termos pejorativos, visto que esse atraso não anula a possibilidade de aprendizado; e que grande parte do aprendizado e incentivo à autonomia, deve vir do apoio familiar, de uma equipe educacional e multidisciplinar. 

“Ele aprende dentro das condições dele, dentro do tempo dele. Então, tendo todo esse apoio, é uma pessoa que pode e deve conviver em sociedade. E, infelizmente, as pessoas, ainda por falta de conhecimento, mantêm esses pensamentos equivocados”, disse. 

Ela ainda apontou que a maioria dos desafios não são vistos, porque acontecem no dia a dia; mas, para a surpresa da maioria, não são desafios tão diferentes das mães típicas.

“A mãe, no dia a dia, independente se o filho tem uma deficiência ou não, ela entende que ela vai ter que dedicar e abdicar de muito tempo para estar ali. Quando se trata de uma criança com síndrome de Down, esse cuidar dessa atenção, não em proporção maior só, mas também demora mais tempo, né? Uma criança com Down demora mais para poder andar, para aprender a falar, para aprender o processo de sucção na hora de amamentar, para deglutir. E esses tempos, eles não são nos tempos que nos são apresentados pela sociedade, né? Então, a mãe atípica, tem que ter uma consciência de que ela tem que trabalhar no tempo do seu filho”, salientou.

Ela afirmou que a mãe de uma criança com Down precisa se libertar desses conceitos e que não pode comparar, porque cada indivíduo é único e possui características únicas. Além disso, reforça que não cabe uma comparação à educação de crianças sem síndrome: a educação por meio da repetição leva mais tempo, e é preciso ter compreensão.

“Eles podem fazer tudo. Eles podem trabalhar, eles podem estudar, eles podem se cuidar sozinhos, podem andar de bicicleta. Ele pode sair, ele pode sentar num bar, ele pode trabalhar, ele pode gastar o seu dinheiro, pode comprar a sua roupa. Ele tem vontade própria, inclusive de personalidade muito forte. Maria Vitória sabe o que quer, na hora que quer, e faz o que tem vontade. É um ser individual único, de escolhas únicas. A gente tem que tratar isso com muita naturalidade. Acho que falta leveza, naturalidade, para a gente conviver bem”, declarou.

Maria Vitória desenvolveu, a partir de uma fatalidade envolvendo o pai biológico, questões relacionadas à depressão e gatilhos alimentares, que desencadearam um caso de obesidade e comprometeram outras questões da sua saúde. Após passar por uma cirurgia, hoje já consegue iniciar as atividades físicas e está passando por mudanças extraordinárias na qualidade de vida dela. 

“Ela é mais ágil, ela dorme melhor, ela conversa melhor, ela está mais vaidosa, ela tem mais ânimo para viver, para brincar, para ter qualidade de vida”, explicou Suelen, reforçando ainda mais que a síndrome de Down não é um limitante para atividades cotidianas.

 

Recebendo o diagnóstico

Sobre a recepção do diagnóstico, não existe romantização: é um momento de dor e dúvida. Mas, segundo Sabrina, serve como uma missão.

“A primeira notícia do diagnóstico não é fácil. Existe um tempo de luto, mas com o passar dos dias você entende que isso é uma missão que temos, e que precisamos dar as mãos e caminhar com elas firme e forte, pois é uma caminhada única, diferente e muito gratificante. É inexplicável a sensação que tenho diante de tudo que passo com a Júlia, é um amor diferente, e uma conquista a cada dia. Criança especial é para pais que conseguem realmente pegar na mão dessa criança, erguer a cabeça, enfrentar os desafios e seguirem felizes e realizados”, falou Sabrina.

Para quem recebeu o diagnóstico de algum parente próximo, Bárbara aconselhou que é preciso acreditar e potencializar o desenvolvimento e as habilidades da pessoa com síndrome de down e se cercar de pessoas que fazem o mesmo.

“Olhe para a criança que você acabou de receber, ela é única… é ela quem vai te mostrar o caminho do qual deverão trilhar, não será uma eterna criança e muito menos um coitadinho. Deixe cair, ajude se for preciso, mas com o tempo ensine-o a levantar sozinho. Os obstáculos existirão, mas a forma como a família e os profissionais envolvidos lidam com cada um, são primordiais na história que será escrita. Agradecemos muito a Deus por ela em nossas vidas e não saberíamos hoje viver sem ela… É ela quem enche meu coração de alegria e muito amor, e além de irmã é minha melhor amiga!”, disse Bárbara. 

Por fim, Suelen apontou a importância de um atendimento multidisciplinar e apoio psicológico. 

“Toda dificuldade que vem pra gente, a gente tem que encarar de frente. Às vezes a sociedade romantiza muito e não vê a complexidade em si da situação de uma notícia dessa pra uma família, que a partir dali terá uma vida muito diferente, né? Busque o atendimento da equipe multidisciplinar, busque ajuda psicológica, busque tudo que você puder pra facilitar a vida de vocês, pra amenizar essas dificuldades do dia a dia”, indicou.

“Eles têm muito respeito e podem contribuir muito para a sociedade e de várias formas, nos dando lições, porque são pessoas desprovidas de ego, amáveis, puras. Elas têm características que a sociedade está carente, e quem dera que todo mundo pudesse conviver mais e ter a oportunidade que eu tenho, de ter uma Maria Vitória na minha vida”, finalizou Suelen emocionada.

Ana Isa