“A comunidade que preserva seus prédios antigos tem mais história para contar”, diz arquiteto

Casarão da Estiva em 2020. (Foto: Alan Russel)

“A comunidade que preserva seus prédios antigos tem mais história para contar”, diz arquiteto

Dois imóveis tradicionais, que marcaram a história de Lagoa da Prata, foram demolidos neste ano de 2021 – em fevereiro, o prédio da “Galeria Paris” foi derrubado e em junho, o “Casarão da Estiva”, uma das primeiras construções da cidade, foi desmanchado. 

Antigamente, o prédio da galeria era uma clínica médica, a “Clínica Santa Eugênia” e depois passou a ser a Galeria Paris, onde as salas se tornaram escritórios de advocacia. O imóvel ficava bem no coração da cidade, em frente a Praça da Matriz de São Carlos Borromeu.

O Casarão da Estiva foi construído em 1840 e ficava a quatro quilômetros ao norte da Praça da Matriz. O estilo do casarão era colonial português, com muitas janelas verticais, paredes internas e externas de pau-a-pique e porão muito baixo, seu pé direito de quatro metros, piso de tábuas, estrutura de madeira e telhado com telhas de barro. O local ficou conhecido como Casarão da Estiva, que quer dizer “travessia de alagadiços” por estar próximo da estiva que ali existia.

Agora, os imóveis que foram ao chão levaram embora com eles um pouco da história da cidade, tornando mais pobre a memória da nossa cidade. Para falar a respeito desses prédios históricos, a importância deles e sobre as demolições, a redação do #soumaislagoa conversou com o arquiteto Carlos Guadalupe, o Lalinho e também com a Secretaria de Cultura e Turismo, através da Assessoria de Comunicação. 

Para Lalinho, os antigos casarões da cidade estão sendo destruídos um a um. “O mais antigo era a Casa da Forquilha, construída em 1820 pela família Bernardes e foi demolido em 2000. A outra casa construída em 1840, também pelos Bernardes, foi demolida em junho de 2021 [Casarão da Estiva]”, disse o arquiteto, que ainda completou falando sobre as outras residências antigas que fazem parte da história da cidade. 

Casarão da Estiva em 2020.(Foto: Alan Russel)

“O museu foi residência do coronel Carlos Bernardes e foi construído por ele em 1875, onde viveu até 1900 e sua viúva, dona Alexandrina, até 1930. Foi demolido em 2005 e reerguido sem miolo em 2006 e está abandonado desde então. A casa do Rodolfo Bernardes, irmão da dona Alexandrina, foi construída em 1890. Hoje está lá e é a mais preservada e pertence ao José Maurício Maciel”, explicou.

Lalinho também falou sobre a primeira casa construída em tijolos, que pertencia a Juca Lobato, em 1916 e a segunda que pertenceu ao Modesto Gomes, em 1918 – a segunda casa, que ficava na Praça da Matriz, passou por vários donos até que em 2021 foi demolida. O arquiteto ainda destacou que os proprietários que demoliram não estavam a fim de gastar com um imóvel obsoleto, onde a restauração seria cara e o tombamento é um processo que eles não queriam. 

“O povo de Lagoa da Prata quer que pelo menos o museu seja preservado, mas nem isso parece ser viável. A comunidade que preserva seus prédios antigos tem mais história para contar e isso significa mais cultura e eles são referência do local, um município com memória é melhor, que [um] sem coisas para contar e mostrar”, falou.

 

O que diz a Secretaria de Cultura e Turismo sobre as demolições

A redação também conversou com a Secretaria de Cultura e Turismo de Lagoa da Prata, por meio da Assessoria de Comunicação, que falou sobre as demolições dos prédios históricos na cidade. 

De acordo com a secretaria, foi apurado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, que o imóvel da “Galeria Paris” constava na lista de bens culturais inventariados pelo Patrimônio, mas isso não impediria que o mesmo fosse demolido. 

“É necessário que o conselho, juntamente com demais órgãos do município elaborem regras, legislação e aparatos para dar segurança às ações. Lembrando que a fachada do imóvel da Galeria Paris já havia sido modificada em outros tempos, perdendo assim as características originais. No caso do Casarão da Estiva, se tratava do imóvel mais antigo da cidade e agora, está em ruínas. No início de nossa gestão tomamos conhecimento da importância do Casarão, onde começamos o levantamento para identificar quem era o proprietário. Foi formada uma comissão para levar ao conhecimento dos donos a importância do imóvel, sua relevância para a história e memória dos munícipes e que o mesmo gera pontos para o ICMS cultural. Ficamos aguardando a resposta dos proprietários para uma visita técnica ao casarão, tirar fotos e conhecer o interior do imóvel. Após duas semanas do nosso contato, o casarão foi demolido”, informou o secretário de Cultura Daniel Ribeiro.

Apesar dos casarões não serem tombados pelo patrimônio histórico, quando foram derrubados houve uma comoção, principalmente nas redes sociais, onde muitos lamentaram. Para a Secretaria de Cultura e Turismo, isso acontece  porque “Lagoa da Prata é considerada uma cidade progressista, sua parte histórica fica meio que esquecida, sem ter apelo pela grande maioria. A comoção não acontece somente pelos mais novos; muitas pessoas me relataram o fato, me mostrando imagens e fazendo questionamentos. Penso que o jovem que é consciente de onde vive, que observa a cidade com ‘olhar histórico’, e que muitas das vezes conhece a importância desses locais, vão ficar afetados por esses ocorridos”, declarou Daniel Ribeiro. 

Por fim, a redação questionou qual é o papel da Prefeitura diante desses casarões, que, apesar de serem antigos e cheios de história, em alguns casos, se as pessoas adentrarem no local, pela estrutura estar ruim, consequentemente pode ocasionar um desabamento, o que pode ser prejudicial à população. Em resposta, a Secretaria falou que os papéis são muitos, mas não somente da Prefeitura.

“Hoje temos um Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural cada dia mais atuante, buscando estruturar ações que fomentem a educação patrimonial. Estamos elaborando uma cartilha para trabalhar nas escolas municipais assim que a pandemia da covid-19 for controlada, e também com a população, seja por meios impressos e meios virtuais. Lembrando que não temos apenas imóveis como bens reconhecidos como bens culturais. Existem peças, sítios arqueológicos, existem também os bens imateriais como os contadores de histórias, festas e imagens religiosas e nossa Banda Lira São Carlos. A ideia é reestruturar e atualizar a lista dos bens inventariados e tombados, dando ampla divulgação para as pessoas da cidade e também para que os turistas possam conhecer esses bens”, finalizou.


 

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Bárbara Félix

https://soumaislagoa.com.br

Editora-chefe no Sou+Lagoa.