(Foto: Maraiza Ferreira/Arquivo Pessoal)
Sete meses de pandemia: Profissionais relatam sobre jornadas de trabalho no Hospital São Carlos
Bárbara Félix
Sete meses da pandemia no Brasil, onde profissionais de diversas áreas têm trabalhado exaustivamente para salvar vidas daqueles que contraíram o novo coronavírus. E embora médicos e enfermeiros tenham sido destacados neste momento (e com merecimento), outros profissionais também são dignos de reconhecimento pela atuação brilhante, tais como os faxineiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas, que no Hospital São Carlos, vem fazendo a diferença neste período.
Na reportagem, o Sou+Lagoa reuniu relatos de trabalhadores, por intermédio da psicóloga do HSC, Carol Cássia. Nos depoimentos, profissional do setor da limpeza, cozinheira, recepcionista, fisioterapeuta, farmacêutica, enfermeira e técnicas de enfermagem falaram sobre as mudanças em suas jornadas de trabalho desde a pandemia, adaptações na vida pessoal, sobre o cenário tenso e como estão lidando com a vida neste momento.
O primeiro relato é da faxineira Ângela Helena, que apontou que devido à pandemia, sua jornada de trabalho passou por algumas mudanças, uma delas sendo o uso de equipamentos específicos, como o máscara de proteção e álcool em gel, que se tornaram indispensáveis. Ela também falou sobre o trabalho neste período de coronavírus, o que de acordo com Ângela, nunca imaginou que enfrentaria na profissão.
“Jamais imaginaria que iria enfrentar uma pandemia assim, eu trabalho na área há pouco mais de dois anos, mas nunca pensei que uma pandemia tão cruel poderia acontecer. Houve momentos que foram mais tensos, pois trabalhamos com a área da limpeza hospitalar e estamos sujeitos a várias contaminações e vírus; o cenário está caótico, mas com fé iremos vencer essa pandemia”, contou.
Outro ponto que Ângela destacou foi a vida pessoal, que conforme ela, mudou completamente.
“A minha rotina mudou muito. Infelizmente não consegui visitar vários familiares e amigos pelo fato de serem do grupo de risco, mas sei que em breve iremos nos abraçar e agradecer por tudo ter acabado. Está sendo bem complicado, afinal tudo mudou e para me distrair leio livros, converso com amigos em rede social, assisto TV, entre outras coisas”, explicou Ângela.
O segundo relato é de uma farmacêutica do HSC, chamada Ângela Marques. Para ela, no início houve momentos de grande ansiedade e insegurança na equipe e foi necessário adaptar um novo horário de escala provisório de 09h às 20h, para atender a demanda. Ela ainda detalhou, que em 10 anos trabalhando no hospital, já teve muitos desafios e dificuldades, mas nunca desta magnitude e proporção do cenário pandêmico.
“Realmente foi assustador vivenciar isso porque tem o medo pelo desconhecido, ansiedade, desde da auxiliar de limpeza ao médico. Acredito que a instabilidade emocional deixou sequelas incuráveis, mas em contra partida senti orgulho de fazer parte desta história, eu estava em contato todo tempo com a equipe médica, no intuito de evitar falta de medicamento e materiais”, destacou Ângela.
Ainda segundo ela, diante do caos da pandemia, enquanto muitos sofriam com angustias emocionais, percebeu que tinha que ir para frente de batalha e lutar. “É uma guerra! E se você esta nela é porque é um combatente, e um combatente não pode abandonar o posto de trabalho nem a equipe e soldados. Até o último recurso deve ser esgotado no intuito de vencer”, disse a farmacêutica.
Outra combatente da linha de frente é a fisioterapeuta Lenara Marielle Morais, que também falou ao Sou+Lagoa sua jornada de trabalho. Conforme ela, o trabalho aumentou muito e ela arriscou-se dizendo que chegou a triplicar ou quadruplicar a carga horária dos fisioterapeutas. “Muitos colegas assim como eu, por causa da escassez de profissionais na área intensivista na nossa região, assumimos mais de um hospital, intercalando os dias trabalhados para conseguir suprir a demanda de pacientes”, contou a fisioterapeuta que ainda explicou que a equipe de profissionais teve que conciliar também os atendimentos em home care, que são atendimentos realizados no domicílio do paciente, onde para ele é um local mais seguro e com menor risco de contaminação porém um atendimento que cobra mais tempo e disponibilidade do profissional.
Lenara também destacou que não só a sua vida, mas a todos se transformou. “De março até o dia hoje, o distanciamento social nos obrigou a mudar hábitos e rotinas. Alguns colegas foram praticamente obrigados a sair de casa, em busca de proteção para os seus familiares. Trabalhamos a todo momento devidamente paramentados, porém o risco de contaminação no ambiente hospitalar infelizmente ainda é alto, e o cuidado com quem amamos deve ser colocado em primeiro lugar. Até hoje o meu contato ainda é restrito a somente alguns familiares, e toda essa situação afetou muito a nossa saúde mental, pois estamos enfrentando um momento difícil, completamente inserto, instável e junto a isso ainda precisamos lidar com a saudade dos nossos entes queridos”, disse a fisioterapeuta que pontuou que, agora passando pelo período de mais flexibilidade, tem se readaptado.
“Em meio a tantos caos, não podemos deixar de lado nossa saúde mental e bem estar. É tanta pressão que momentos de distração são de suma importância para aliviar todo estresse vivido. Tenho buscado realizar atividades ao ar livre, com pessoas que já mantenho contato no meu dia a dia; nessa pandemia aprendi a pescar, mudei minha alimentação, e aprendi a dar valor a pequenas coisas que realmente são importantes, e o principal, tentar ver o lado de bom de tudo, crendo que isso é uma fase de aprendizagem e que vamos sair bem e mais evoluídos de tudo isso”.
Para Iracema da Silva, que trabalha na cozinha do hospital, o trabalho ficou ainda mais cauteloso, e segundo ela, a distribuição das refeições são realizadas de uma forma diferente. Ela contou que foi traçado um trajeto para que a distribuição das refeições seja segura e para que não haja cruzamento de funcionários e materiais contaminados.
“As refeições são dispensadas em uma mesa em cada andar, e temos o apoio da enfermagem, que a mesma é responsável pela distribuição das refeições para os pacientes. Atualmente não temos contato direto com os pacientes, e isso está fazendo muita falta, pois antes da pandemia tínhamos um atendimento humanizado com os pacientes. Servíamos as refeições e tínhamos contato direto com bom dia, boa tarde, bom apetite, um sorriso, que fazia muita diferença principalmente para os pacientes que não recebiam visitas”, disse Iracema.
Ela ainda falou que devido a essa falta de contato com pacientes, não consegue atender diretamente as preferências deles e que antes, os próprios pacientes podiam manifestar a sua satisfação e agradecimentos de algum atendimento. Iracema também contou que durante o horário das refeições foi definido uso exclusivo do elevador para distribuição das refeições, para evitar contaminação cruzada. “Ao transitar dentro do hospital, tomamos os devidos cuidados, usamos máscara N95, luvas e álcool para higienização das mãos, utensílios e carrinho de distribuição das refeições”, explicou a cozinheira que ainda destacou que em 30 anos de profissão, nunca imaginou conviver em uma situação tão caótica, mas ressaltou que mesmo assim não faltou inspiração e dedicação para trabalhar. “Os dias estão ruins, porém com Deus podemos chegar ao final e dizer que não foi fácil, mas conseguimos”.
Outra profissional que também narrou a situação foi a técnica de enfermagem, Elesia de Souza Macedo, que contou que com a pandemia do coronavírus, a rotina de trabalho mudou totalmente e ainda alegou que não se sentia preparada para enfrentar o que estava por vir. “Confesso que fiquei muito assustada no início, pois era tudo novo para aquele momento. Logo senti minha vida pessoal mudar totalmente e já não podia mais ter os mesmos tipos de contato com minha família e amigos. No início, diante do meu local de trabalho e do medo que eu estava sentindo, pensei que o melhor era manter distância de todos de minha casa, inclusive minha mãe que estava passando um tempo comigo”, disse Elesia.
A técnica de enfermagem também falou que pensou diversas vezes em desistir quando o medo a consumia, pois segundo ela, se preocupava em ser infectada e passar isso para as pessoas ao seu redor, “mas no fim, mesmo com toda a insegurança eu tive forças para continuar. Foram e estão sendo momentos difíceis, mas temos uma equipe de profissionais qualificados e comprometidos que nos dão total suporte para realizar nossos trabalhos da melhor forma possível, sempre com Deus a frente de tudo. Juntos venceremos esta luta”, declarou Elesia.
Mais uma técnica de enfermagem em Lagoa da Prata, que falou foi Maraiza Ferreira, que alegou que o trabalho ficou mais intenso, onde atendeu pacientes críticos e instáveis. “O emocional fica abalado pela situação em que vivemos, mas desde que iniciei como profissional nesta área, tive consciência de que se tratava de um trabalho que exige muita responsabilidade e dedicação constante, porém nunca imaginei que enfrentaria uma pandemia! O que mudou neste período foi a questão das medidas de proteção, que exigem EPIs nunca usados anteriormente e uma série de novos procedimentos”, informou Maraiza.
A técnica de enfermagem destacou que, apesar de ser um período que exige muito de todos, buscou focar no em seu ideal que é cuidar das pessoas. “Lidar com vidas sempre é muito desafiador, e nesse período ficamos mais fragilizados devido ao momento que todos temos passado. Mas com empatia e muita fé em Deus vamos vencendo essa batalha. O importante é lembrar sempre, que como infelizmente os pacientes não podem receber visita de seus familiares, temos que dar o máximo de amor e atenção que estiver ao nosso alcance; naquele momento eles só tem a nós, nós somos sua família”, declarou Maraiza.
Na recepção as coisas também mudaram de acordo com a recepcionista Joseane Lopes à redação do Sou+. Segundo ela, o horário de trabalho continuou o mesmo, mas tornou- se tenso, cheio de perguntas sem resposta. “No início não sabíamos direito sobre todas as formas de contágio, sobre como proceder. Com o passar dos dias as mudanças vieram. Cada dia que chegava para trabalhar pensava em como seria, e logo começou a aparecer casos suspeitos, e o medo e a responsabilidade cresciam”, relatou Joseane.
Ela ainda disse que, foi necessário mudar todo o comportamento com colegas de trabalho, pacientes e também em casa e alegou que houve momentos nos quais pensou em desistir do trabalho.
“A medida que os números de casos cresciam, com eles a inquietação. Teve dias que pensei em desistir do emprego diante de tantos desafios, afinal tenho filhos, não podia pensar somente no trabalho. Ao chegar em casa, novamente outro aprendizado, sendo lavar as mãos com frequência, álcool em gel, não entrar em casa com calçados da rua , e pensava se podia ou não abraçar meus filhos, se podia beijá-los. Não conseguia ter certeza de nada! Agora que se passou esses meses, ainda temos que ter e tomar todos os cuidados pois a pandemia não acabou. Nunca pensei em viver uma situação assim! Estou há quase oito anos de hospital e está foi a primeira vez que senti que não tinha controle sobre nada”, alegou a recepcionista.
E o trajeto não é fácil também para os enfermeiros! Carolina Cássia também relatou que em quatros anos trabalhando na área da saúde, nunca imaginou que trabalharia neste cenário pandêmico, onde segundo ela, o que prevalece é a incerteza de não saber com que estão lidando.
“No início foi bem difícil, principalmente pelo fato de ser algo novo, tudo muito incerto, e principalmente pelo fato de ter que me distanciar da minha família. Com o passar do tempo a rotina mascarou os medos e anseios. Para me distrair, tenho procurado descansar nos dias de folga , fazendo vídeos chamadas com meus pais , para diminuir a distância ,e me dedicado aos cuidados com a casa”, contou a enfermeira.
Por fim, relatos da lavadeira do HSC, Delma e da auxiliar administrativa, Bianca Capanema, que partilharam declarações semelhantes. Segundo elas, com o novo cenário, tiveram que tomar mais cuidados, fazer o uso de EPI’s no trabalho e somente sair quando necessário.